A visita à Gamboa Ação trouxe algumas visões e perspectivas da vida, como se sentássemos em vários galhos de uma árvore e olhássemos a paisagem de diferentes ângulos. Sentei no local daquele que é atendido e percebi as oportunidades que surgem para o resgate da dignidade humana; no galho do servidor, o amor incondicional é uma tônica que acalenta nosso coração. Ao chegar em casa, sentei no meu habitual galho e percebi que todos temos um enorme campo de ajuda ainda não explorado. A alma grita por se expressar além das palavras. É preciso atender ao seu apelo.

A Gamboa Ação é uma ONG situada na zona portuária do Rio de Janeiro, região extremamente carente. A instituição cuida de crianças vivendo em condições totalmente insalubres e de muita violência, e tem o nobre propósito de desenvolver indivíduos livres, produtivos, socialmente integrados e moralmente responsáveis.

A seiva de vida que dá sustentação a todas as ramificações da nossa hipotética árvore não chega nas pontas; a interrupção necrosa os ramos, os galhos secam e apodrecem, os frutos não nascem. Num país, que é um dos maiores produtores de alimento do mundo, a questão da miséria não pode ser justificada pela falta de alimento, mas pelo egoísmo, pela falta de generosidade e pela crença na cultura da escassez. E daí surge a violência e todos os males da sociedade. Imaginar um filho chorar de fome deve dilacerar a alma. Me lembrei de Djavan: “… Sabe lá o que não ter e ter que ter pra dar”

Muitas daquelas crianças da comunidade têm sonhos e muito talento. Uma pequena oportunidade pode ser a chance para que o melhor delas se expresse. Existem inúmeros exemplos positivos de transformação a partir dos acolhimentos realizados por instituições como a Gamboa Ação. Já desviaram o caminho tortuoso de muitos adolescentes, preservando-os da prostituição, do roubo, do tráfico de drogas, da violência e da fome. E ai sentamos em outro galho da árvore, vendo o mundo sob a perspectiva de quem é servidor da humanidade, de quem se doa incondicionalmente a uma causa e ao bem do próximo. Tiro meu chapéu.

Muitos questionam a eficácia de se doar para uma causa social, achando que a miséria é tão grande que o minúsculo bem realizado parece algo marginal, inócuo e sem efeito prático algum. A fome grita, é urgente e aviltante. É preciso socorrer. “Na geladeira só tem água e quando chove a enchente leva embora o pouco que se pode conquistar; outras tantas famílias estão empilhadas em beiras de encosta, rezando para que, no próximo temporal, um deslizamento não as soterre” (Edu Lyra – artigo “Fique no Barraco”, o Globo, 13/04/2021).

Esse triste cenário encoraja pessoas abnegadas a fazer o bem; surgem projetos e inciativas que podem fazer fluir, minimamente, a seiva de vida para os mais necessitados. E tenho encontrado muitas delas e escutado histórias belíssimas de transformação, que são para mim combustível de renovação e motivação para seguir em frente na tarefa de inspirar o bem. Imagina um adolescente “salvo” das mazelas locais, que se socializou na Gamboa Ação, se tornou monitor através da capacitação em comunicação não violenta e resolução pacífica de conflitos. Outro já se tornou pesquisador da Fiocruz. São inúmeras histórias de resgate do ser humano.

No aconchego do lar, sento em outro galho completamente diferente. Ainda impactado pela vivência daquele dia, vejo que escondemos no íntimo um desejo enorme de arregaçar as mangas e entrar em campo, compartilhar com os “abnegados do bem” aquilo que temos de mais caro em nós. O trabalho deles é como a água da chuva que rega nossas melhores sementes.

Relendo alguns textos publicados no Pedra no Lago fico ainda mais motivado a ir em frente. Nunca foi tão real a máxima de que os contrastes trazem luz à consciência. Há que perseverar na árdua batalha para vencer a nós mesmos, indo ao encontro do bem, do amor, da generosidade, … que residem no nosso interior.

A expressão desses atributos faz uma enorme diferença na vida, pois são como fogo que aquece o coração e permite que a nossa lenha, ainda verde, atinja o ponto de combustão. Começamos a perceber, ainda que tênue, o que é a verdadeira compaixão, o prazer em servir e a unidade com a vida.

As necroses da nossa árvore social surgem da falta dessa perspectiva interior. Esse é um caminho promissor para a interrupção do ciclo da pobreza: sentir-se em unidade com o outro; afinal, o outro sou eu mesmo. A cura da ganância, do egoísmo e da ilusão da separatividade se dará somente através do despertar dessa consciência.

Leia aqui a matéria completa “Fique no Barraco”, de Edu Lyra, a qual deve ser lida isenta de qualquer cunho ideológico e/ou político.

Veja aqui a matéria sobre a Gamboa Ação.

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