Reflexão baseada no livro “O Caminho para a Libertação do Sofrimento” (veja em Indicações), de Angela Maria La Sala Batà. Encontramos nas narrativas uma luz para abrir nossa consciência para o significado das provas e passar por elas de forma criativa, extraindo os ensinamentos que as oportunidades estão trazendo. Devemos, na verdade, olhar tudo com os olhos do Coração, de forma que a Sabedoria se faça presente.

Como a autora diz, referindo-se à francesa Elisabeth Leseur: “sofrer e ser infeliz não são, de modo algum, a mesma coisa”. E a autora continua: “Como a mãe que, embora sofrendo as dores do parto, está feliz porque espera a vinda de seu bebê, também nós podemos aceitar o sofrimento e vivê-lo como um trabalho criativo, se soubermos que ele serve para trazer à luz uma nova consciência”.

Do Sofrimento Estéril ao Sofrimento Criativo (Capítulo 7)

“Nos capítulos precedentes, mencionamos várias vezes o aspecto evolutivo e transformador da dor; mas o homem, desde épocas remotas, não tem consciência desse aspecto e se rebela contra o sofrimento ou se submete passivamente a ele, como se fosse uma maldição cujas causas ignora. Durante essa fase, o sofrimento parece ser inútil e estéril. Na realidade, a dor nunca é totalmente estéril – mesmo quando não parece produzir qualquer reação ou mudança interiores, ela age como um fogo purificador que mais cedo ou mais tarde produzirá inevitavelmente seus efeitos.

“Todavia, antes que isso aconteça, deverá transcorrer um longo período de tempo, durante o qual o mesmo tipo de provação dolorosa se repetirá ciclicamente, golpeando sempre o mesmo ponto, até que o homem comece a compreender o ensinamento que a dor quer lhe transmitir.”

“A atitude ante o sofrimento, portanto, se transforma lenta e gradualmente por efeito desses repetidos estímulos inconscientes, que aos poucos despertam a consciência adormecida do homem e o induzem a fazer as primeiras perguntas sobre o propósito da vida.”

“Esse é o sinal de que o sofrimento está se transformando de estéril em criativo. O que significa “sofrimento criativo”?

“O momento em que o homem intui esse fato pode ser considerado um “ponto de mutação” determinante do seu processo evolutivo, pois a partir daí ele não será mais o mesmo que era antes, pois começará a delinear-se dentro dele um senso preciso de identidade, sinal de que a consciência do Eu está se individualizando e assumindo a direção da personalidade.”

“Significa que o sofrimento pode ser utilizado para produzir alguma coisa nova. Significa que o sofrimento é um sintoma, um sinal indicativo desse “novo” que quer se manifestar e que talvez já esteja pronto para vir à luz.”

“O indivíduo então se aparta da identificação com a consciência coletiva de massa. Seu modo de sofrer se transforma, se diversifica, e as experiências dolorosas que ele encontra assumem cada vez mais um caráter de ensinamento individual e finalizado.”

“O primeiro sinal da ocorrência desse “ponto de mutação” se revela quando o homem, diante de uma provação dolorosa, começa espontaneamente a desviar sua atenção do acontecimento externo que a produziu (ou que parece tê-la produzido) para fixá-la na sua reação subjetiva àquela provação.”

“Desenvolve-se nele, gradualmente, a capacidade de observar a si mesmo enquanto sofre e de analisar o “modo” pelo qual sofre. Em outras palavras, ele toma consciência da subjetividade de seu sofrimento e compreende que o significado e propósito estão ocultos exatamente nessa subjetividade.”

“Segundo a lei da evolução e a lei do karma, mencionadas em um dos capítulos precedentes, nada acontece por acaso – tudo acontece conforme um propósito preciso que cabe ao homem descobrir.”

“Mas não basta compreender e aceitar intelectualmente essas leis; é preciso pô-las em prática, vivê-las, experimentá-las. E é aqui que o homem encontra obstáculos e comete erros, porque nele se formou um dualismo entre a parte de si mesmo que aceita o impulso evolutivo e outra parte que se opõe cega e inconscientemente a esse impulso, condicionada pelos padrões repetitivos e mecânicos da lei da inércia da matéria.”

“É um momento muito importante do caminho evolutivo do homem aquele no qual ele toma consciência desse dualismo e compreende que a maior parte dos seus sofrimentos nasce exatamente da sua natureza dual. É esta que continuamente o coloca em uma posição de conflito entre duas fortes exigências: a que o mantém ligado ao passado e a que o impele para o futuro.”

“É por isso que cada fase do processo de crescimento do homem é precedida de uma crise. A palavra crise, na verdade, poderia ser definida como “ponto de mutação”, um estado de coisas no qual terá de ocorrer uma mudança decisiva num sentido ou noutro.”

“O homem, todavia, é inconsciente da mudança que precisa fazer, não a compreende ou não quer compreendê-la. E então nasce nele o conflito e o sofrimento, que durarão até o momento em que ele tome consciência do amadurecimento que lhe é solicitado e o aceite.”

“Quando é golpeado pela dor, o homem tem a revelação de seu grau real de amadurecimento. Se ele for ainda pouco evoluído, ao ser posto à prova revelará também indolência, covardia, egoísmo e crueldade. É exatamente nos momentos de tragédia, de perigo, de emergência que se revela o grau evolutivo de uma pessoa. Em tais momentos pode se manifestar o herói, o santo, em um indivíduo que parecia insignificante e comum. Ou, pelo contrário, manifestar-se o delinquente, o covarde e o indolente na pessoa que todos julgavam boa, corajosa e honesta.”

“Nós não nos conhecemos porque só percebemos a superfície da nossa consciência. Não vemos nosso lado negativo, nossas imperfeições, assim como não vemos nossas possibilidades mais altas e as qualidades mais elevadas e sublimes latentes dentro de nós. O sofrimento, como dissemos, nos obriga a olhar dentro de nós mesmos, a tomar consciência da nossa fraqueza interior bem como da força interior; o sofrimento se torna criativo quando nos ajuda a superar a primeira e utilizar a segunda.”

“São inúmeros os exemplos de pessoas que souberam transformar situações trágicas, desgraças e doenças em ocasiões de crescimento interior, manifestando inacreditável força e capacidade de superação.”

“… A dor nasce do dualismo entre Espírito e Matéria. Esse dualismo é a marca distintiva do ser humano, que o vivencia como um atrito conflituoso e dilacerante até tomar consciência de que, ao contrário, representa sua missão e seu privilégio.”

“Sempre que nos sentirmos impotentes em momentos de sofrimento, o remédio não é a rebelião ou a luta para sairmos dessa situação. O remédio é o abandono, o silêncio, a receptividade e a confiança de que existe em nós uma realidade supraconsciente que só poderá se manifestar se pusermos de lado nosso limitado eu pessoal. Não devemos recusar a dor e negar o problema, mas aceitá-la, procurando compreender sua mensagem evolutiva, sem interferir pessoalmente para resolvê-la.”

“Diz Meister Eckhart que, nos momentos de escuridão, “é preciso deixar em paz a Alma”. Quanto a nós, temos apenas de nos abrir, manter silêncio, escutar, mas sem esperar respostas racionais e precisas porque, como diz um antigo ditado: “A Alma nunca responde com palavras, mas com a própria coisa que lhe foi perguntada”. Ela nos responderá com uma sensação inesperada de alegria, com um estado interior de paz e serenidade, com uma intuição imprevista, com a solução de um problema, com uma sensação de liberdade, com a manifestação de uma qualidade que não sabíamos possuir, com uma visão mais ampla e real da vida… E então saberemos que o processo de transformação e de reunificação entre Espírito e Matéria foi iniciado dentro de nós. A dor nos revelará então sua utilidade e seu poder criativo. Desse momento em diante, terá início o processo gradual de libertação do sofrimento.”

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