Leia o post ouvindo o áudio abaixo:

Recentemente, publiquei aqui no blog, na seção Caridade em Ação, a ONG Gamboa Ação, concebida e implantada pela Gabriela Caiuby. Por mais que tenha me esforçado para ser eficaz na divulgação, na tentativa de sensibilizar os leitores a colaborarem com mais uma obra de caridade, contudo, não consegui traduzir o quanto o projeto dela me sensibilizou, em especial pela coragem de dar um salto no escuro e seguir a vontade da sua alma, do seu ser interno, contrariando a lógica do custo/benefício.

No caso dela, os conflitos internos para atender ao apelo interior foram ainda mais expressivos, devido à sua pouca idade, à sua excelente formação acadêmica, seus sonhos profissionais, expectativas de crescimento na carreira, ganhos financeiros, dentre inúmeros atributos e sonhos legitimamente perseguidos.

Mas quando a alma grita por libertação e começamos a refletir sobre nós mesmos, sobre a real felicidade, sobre o que é a alegria, sobre o amor incondicional, sobre o que estamos fazendo com todas aquelas dádivas que recebemos e sobre tantas questões ligadas à vocação do nosso espírito, que é servir, penso eu, aí complica muito. Quando certas premissas consagradas são expostas e revistas, as poeiras dos condicionamentos que estavam estacionadas, sem serem incomodadas, se agitam dentro de nós, e inicia-se uma batalha interna para querer trazer à luz aquele ser que realmente somos, a ser o que fomos destinados a ser como seres espirituais.

“Embora se possa conquistar mil homens, mil vezes em batalha, contudo aquele que vence a si mesmo é sem dúvida o mais nobre dos vencedores” (Dhammapada – O Caminho da Sabedoria de Buda)

A história de vida da Gabriela está cheia de referências e símbolismos filosóficos, contudo, destaco como o mais significativo sua coragem de dizer “sim” àquele apelo silencioso, escutar e seguir a voz que sussurra na quietude do ser. Cada um que esteja desperto para essas questões interiores saberá extrair da narrativa os ensinamentos que correspondam ao seu processo de evolução. Então, encerro aqui com um verso do José Trigueirinho e, na sequência, com a reportagem do jornalista Mauro Ventura da Agência O Globo, de 04/03/2018, que sumariza a história dela.

SIM
(José Trigueirinho – Livro: Versos Livres)

“A necessidade é a bússola dos fortes.
Nunca, nunca deixe de dizer:
sim, aceito prosseguir;
sim, vou sem condições;
sim, farei o que não posso;
sim, ao medo não me entrego;
sim, aos limites não me rendo;
sim, Senhor, farei tudo por vós.

Trata-se de ir além,
muito além do que se pode.
O possível é obra de entediados.
Cultivem-se as raízes como as árvores sagradas
que rompem rochas
para buscar a água que lhes dá a vida”

“Dois cafés e a conta com Gabriela Caiuby”

Presidente da ONG Gamboa Ação diz como faz para evitar que crianças em situação de risco repitam a história de vida dos pais.

Gabriela Caiuby é presidente da ONG Gamboa Ação – Mauro Ventura / Agência O Globo. mventura@oglobo.com.br – 04/03/18 – 07h43

Gabriela Caiuby pensou muitas vezes em desistir. Sua ONG Gamboa Ação ajuda crianças de baixa renda que vivem na Gamboa, bairro da Zona Portuária. No primeiro ano, ela chorava de desespero. “Era um nível de agressividade absurdo. Elas não conversavam. Brigavam, se estapeavam, se apedrejavam”, diz Gabriela, de 35 anos. Cerca de 80% das crianças não iam à escola e tinham grandes atrasos no desenvolvimento. Viviam em invasões de prédios abandonados, sem banheiro e saneamento básico, com infiltração, ratos, baratas e lacraias. Para sorte das crianças, Gabriela seguiu em frente. Fazia tudo sozinha. Evangélica, ela diz: “Orei muito, e Jesus me ajudou.” Bancava o projeto com o salário de coordenadora do programa Guardiões dos Rios, da prefeitura — coordenava 300 funcionários em 21 comunidades.

Com a mudança de governo, ficou desempregada. Teve que ir morar com a mãe, mas seguiu com a ONG. Fazia rifas, pedia doações, conseguia voluntários. “Meu propósito é desenvolver indivíduos livres e produtivos, socialmente integrados e moralmente responsáveis”, diz ela, que agora conta com o apoio do Instituto da Criança, que formou um grupo para ajudar a ONG a se tornar autossustentável. Pedro Werneck, presidente do instituto, explica: “Acredito no impacto do projeto da Gabriela, uma empreendedora social que abriu mão do conforto pessoal para viabilizar sua instituição.” A ONG atende 60 crianças e jovens de 4 a 14 anos. “Meu sonho é alcançar até 18 anos”, diz ela, que estudou no Lycée Molière, em Laranjeiras, se formou em Economia na Universidade Aix-Marseille III, na França, e fez mestrado em Engenharia Ambiental na Coppe/UFRJ. Para contatos há o e-mail gabrielacaiuby@gamboaacao.org e a página da ONG no Facebook.

Como veio a ideia da ONG?

Em janeiro de 2014, fui a um culto numa igreja na Gamboa. Ao atravessar a Praça da Harmonia, duas meninas muito magrinhas e sujas, de 7 e 9 anos, disseram que estavam com fome e me pediram um lanche. Paguei e começamos a conversar. A mãe de uma estava presa, e o pai sumira. A mãe da outra era dependente. Elas não estudavam. Prometi voltar no domingo seguinte. Elas vieram com os irmãos. Continuei indo e cada vez vinham mais crianças e adolescentes, a maioria analfabeta. Fui atrás dos pais para que inscrevessem os filhos na escola. Tive que ir à cracolândia, a prostíbulos, à boca de fumo. Foi antes das obras no Porto, a região era abandonada, corri risco de vida. Mas peguei os documentos e consegui matricular a maioria. Cheguei a botar cinco crianças pequenas em casa, enquanto a mãe estava no hospital tendo o oitavo filho, que nasceu com hidrocefalia. Elas estavam há uma semana sozinhas, comendo cream cracker e vendo uma TV sem imagem, só com chuvisco. Pareciam zumbis.

Fale das dificuldades por que passou.

Quando eu não ia, elas retrocediam tudo. E na metade do ano já tinham abandonado a escola. Os pais não acordam, como elas vão se levantar sozinhas, sem despertador, às 6h? Em 2016, resolvi desistir e focar na carreira. Havia gastado todo meu dinheiro, não tinha vida social e não via resultados. Queria ser diplomata e trabalhar na Comissão de Desastres da ONU. Antes de me afastar, decidi fazer um Natal Solidário. Mas faltava apadrinhar algumas crianças. Até que Annette Runge, guia de turismo alemã que mora no Rio, fez um tour com um casal de suíços que quis doar dinheiro para uma instituição de crianças. Ela nos indicou e ganhamos 300 euros. Fiz um festão de Natal. Para agradecer, enviei fotos, e os suíços me encomendaram um projeto para as crianças. Não sabia que eram de uma organização que investe em start ups sociais.

Concorri com projetos da América Latina e da África e tirei primeiro lugar. Ganhamos R$ 30 mil. Não tinha mais como parar.

Qual o foco da Gamboa Ação?

Três áreas: educação, arte/cultura e esporte/lazer. No futuro terá meio ambiente e empregabilidade. Temos mais de 20 voluntários e oferecemos rodas de conversa, dança de salão, canto, cidadania, aulas de artes, inglês, francês, muay thay, capoeira e jiu-jitsu. A primeira a apoiar foi Natalia Silva Barros, que dá reforço escolar. E temos uma psicóloga. Há muitos casos de abuso. Uma menina de 11 anos disse: “Tia, fui estuprada por um homem. Ele me ameaçou com faca e disse que vai me matar se eu contar para alguém.” Mas ela teve coragem de se abrir com a gente. Temos parceria com a Rio Volunteer, e muitos estrangeiros nos visitam. Isso expandiu a mente das crianças, que perguntam tudo sobre a vida deles. Chegam muitos israelenses, que ensinam palavras em hebraico. As crianças aprendem que existem outras possibilidades e começam a planejar o futuro.

Você vê uma transformação nas crianças?

Quase todas estão na escola. E deixam de reproduzir o modelo familiar. A mãe de uma menina de 13 anos disse: “Filha, comecei a me prostituir aos 10. Já deixei você ficar três anos no lucro. Agora se você não se prostituir não tem mais comida em casa.” Ela pediu minha ajuda: “Tia, não quero isso para mim.” Falei para ela dizer à mãe que ia arrumar comida sozinha, mas não ia se prostituir. A menina se virou e, após dez dias, a mãe disse: “Desisto, não precisa se prostituir, eu dou comida.” Você muda o rumo da história. A agressividade das crianças diminuiu. As mais velhas falaram: “Tia, a gente quer que você seja mais dura com a gente. Tem que parar de ameaçar castigar e não cumprir.” Elas mesmas pediram limites, algo que não têm nas ruas e em casa.

O que mais a encoraja nesse projeto?

Em dezembro, a Amil fez uma ação na ONG. Uma voluntária ensinou artesanato, e cada criança criou sua boneca de pano. No fim, uma menina de 13 anos ficou aos prantos e não quis falar com ninguém. Após todo mundo ir, ela me disse: “Tia, estou chorando porque nunca pensei que alguém pudesse fazer uma coisa tão boa por mim.” O que me motiva é ver essas crianças formadas, estruturadas, felizes, realizadas, fazendo o bem.

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Sabiah – Conselheiro Voluntário