Não poderia começar a escrever este post sem antes agradecer à generosidade do Celso Grecco, que autorizou a publicação de uma bela história que aconteceu com ele em uma praia deserta, uma vivência interior marcante, contada com rara beleza no final do seu livro A decisão de que o mundo precisa (veja a postagem deste livro na seção Indicações).

Penso que todos nós temos uma meta elevada, que já veio codificada, ligada à expressão do nosso Ser Interior. Entretanto, os condicionamentos e modelos mentais que adquirimos ao longo da vida parecem colocar uma grossa corrente atada aos nossos pés, que nos impede de dar um passo, quase que decretando que devemos continuar a ser apenas expectadores das coisas negativas que acontecem no mundo, a sermos escravizados pela nossa mente.

No âmago do nosso ser, existem as sementes do bem, as quais precisam romper suas cascas, crescer e dar frutos; os frutos do coração humano, ligados à paz, à fraternidade e ao amor ao próximo. Isso faz uma baita diferença em um mundo onde o Amor precisa ser expressado para neutralizar os antagonismos, o ódio e “limpar” toda a egrégora planetária negativa que impede a manifestação da Luz.

“O que é plantado na alma de cada pessoa um dia irá florescer”
(Rumi)

A história faz referência ao nascimento de uma tartaruga na praia. Através dela, podemos extrair grandes aprendizados, como a percepção dos ciclos da vida, a entrega, a fé de que uma força maior nos guia, a certeza de que a vida é Una e que estamos todos diante de uma grande oportunidade: a de nos deixar conduzir pelo Ser Supremo que habita nossos corações, a chance de dar à luz a nós mesmos.

Creio que estamos retornando à nossa verdadeira Morada, cumprindo mais um ciclo de existência, e que histórias como esta, a seguir, nos ajuda a redobrar a coragem, a não desistir dos sonhos e de estarmos sempre em prontidão para inspirar e disseminar o bem.

… e a história tem início:

 “Foi bem cedinho, por volta das sete e meia da manhã do 1º. de janeiro, caminhando por uma praia deserta de céu encoberto enquanto uma fina garoa caía, que eu recebi um dos mais bonitos presentes que os céus poderiam me dar: eu assisti ao nascimento de uma tartaruga e ao início de sua jornada em direção ao mar.

Primeiro ela quebra a casca e cava um caminho pela areia até atingir a superfície. Daí ela começa a rastejar em direção à praia, distante uns 50 metros do local do ninho. Você olha e acha que não vai dar, pois aquela jornada parece impossível de ser cumprida. Mas ela segue instintivamente na direção correta.

Quando chega à beirinha do mar, aquelas marolinhas que mal sentimos no pé a jogam de volta para a areia seca. Ela insiste, vem novamente e uma nova marolinha a joga de volta. Dá uma aflição, vontade de ajudar, mas algo lhe diz que você não deve interferir naquele momento. É quando vem a terceira marola e aí, como se já tivesse entendido a lição, a tartaruga abre as quatro patas, ergue a cabeça e flutua...

Ao flutuar, deixa-se levar pela marola que a princípio parece conduzi-la mais uma vez de volta para a areia seca, mas no refluxo da maré acaba trazendo-a um pouco mais para dentro da água. Então vem a quarta, a quinta marola e vejo que minha amiga tartaruga está indo cada vez mais para dentro do imenso mar que a aguarda. Sua nova casa.

Dizem que dentro de vinte e cinco ou trinta anos ela tomará instintivamente o rumo de volta, de onde quer que esteja, e retornará para a praia onde nasceu. Depositará ali os seus ovos e dará início a um novo ciclo de vida.

Além de me emocionar, enxerguei, naquela hora, a mais bonita e infinita presença de uma força criadora que você pode chamar de Deus, energia ou do que quiser. O que mais podia aprender com aquele momento? Acho que aprendi que o princípio é o mesmo para nós todos, seres humanos ou tartarugas: todos temos um destino a cumprir que é o de nos lançarmos na vida, que é do tamanho do mar, e buscarmos, nessa jornada, a razão da nossa existência.”

A história termina aqui, mas não poderia perder a oportunidade de relatar e de usufruir, também, da interpretação do autor sobre sua vivência.

“No começo poderemos encontrar pela frente marolas tentando nos fazer ficar onde estamos. Se aprendermos a não brigar com elas, entenderemos que podemos usar essa força, a princípio contrária, para que ela nos conduza em direção ao mar. Isso não tem a ver com passividade. Tem a ver com sabedoria.

Minha amiga tartaruga não tinha ainda idade para ter sabedoria, tampouco podia ser classificada como passiva diante do seu esforço em se lançar na água. Mas ela não hesitou em deixar a segurança do seu ninho, se pôr a caminho do mar – e se entregar. É como se ela tivesse a certeza de que ela era não uma partícula do mar, mas o próprio mar. Nada poderia ameaçá-la. Ela era digna daquela imensidão.

Olhar aquela cena me fez pensar sobre quantas vezes nós não nos sentimos dignos da possibilidade à nossa frente. Será que precisaríamos ter a coragem de uma pequena tartaruga para simplesmente nos sentirmos dignos? Talvez nosso caminho, como o dela, também não seja fácil; certamente haverá mistério, beleza, algum medo, muitos perigos. Mas, sempre que nos dispusermos a explorar só mais um pouquinho, um oceano de novas possibilidades vai se descortinar à nossa frente.

Encontraremos muitas pessoas, umas iguais a nós, outras totalmente diferentes, e aos poucos perceberemos aqueles cuja companhia será essencial para nos sentirmos bem. Esses se tornarão especiais para nós – cada um a seu modo.

Pode ser também que tempos depois comecemos a ser, aos poucos, cada vez mais invadidos por um sentimento meio difícil de explicar. Que poderá se parecer com melancolia ou apenas vontade de ficar quieto em um canto, sentindo uma saudade de algo que não saberemos explicar. Talvez seja essa a hora em que nós estaremos começando a nos lembrar da praia de onde um dia também partimos. Onde tudo começou.

Quem sabe não vamos então concluir que terá chegado a hora de iniciarmos nossa jornada de volta. Aí bastará nos deixarmos guiar e nosso instinto nos conduzirá. Nossa intuição será mais forte e bonita do que toda a nossa sabedoria e o nosso aprendizado possam ter sido. E nós também teremos cumprido, a nosso modo, o ciclo da vida.

Refleti e aprendi sobre tudo isso naquele primeiro dia nublado do ano, enquanto me despedia da minha pequena e breve amiga. Foi quando conclui que, talvez, não seja besteira quando penso que Deus está em alguma praia pescando. Porque por um instante, naquele momento, eu tive a forte sensação de que, se olhasse para o lado, eu o veria sentado na areia contemplando aquela tartaruga e seu caminho. E acho que Ele estaria sorrindo.

Não olhei para o lado. Virei-me para o outro e continuei minha caminhada na praia deserta. Havia um ano inteiro pela frente. O primeiro ano do resto de minha vida.

Naquele momento eu decidi que, no dia em que tiver que começar a minha jornada de volta para o lugar no universo de onde eu vim, quando o meu ciclo da vida aqui neste planeta estiver encerrado, eu quero deixar uma história. E quero que essa história seja contada pelos meus filhos e pelos filhos deles durante muito tempo.

Por essa razão, eu também decidi que ela não seria uma história qualquer. Não sei se farei diferença no mundo, mas sei que faço diferença na vida daqueles que ajudo por intermédio da minha profissão.

Por agora, espero que eu também tenha feito alguma diferença na sua vida.”

A história e os relatos do Celso Grecco terminam aqui.

Finalizando, transcrevo parte de uma reflexão chamada Ciclos, extraída do livro “Versos Livres”, de José Trigueirinho (1931-2018), em gratidão pelos seus ensinamentos.

Ciclos

Aprende das ondas do mar o cumprimento das fases; da sucessão das estações, a vivência dos ciclos. Aprende da flor a pureza da entrega e das abelhas o serviço grupal.

Segue, peregrino, as indicações do teu caminho de luz. Não olhes para trás. Mira o oceano e contempla suas ondas. Deixa que a água te lave os pés. Aguarda a hora de mergulhar nas profundezas, e o silêncio da união te arrebatará.

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