Beethove’s Silence – Ernesto Cortázar

Título original: Histórias de Sabedoria: descobrindo o segredo da abundância
Autor: José Trigueirinho
Publicação: Jornal O tempo, em 09/09/2018

Ao soar um grande trovão, o céu rompeu-se em duas partes e de cada uma delas surgiu um raio. Indo em direções opostas, atravessaram dois carvalhos que se transformaram em homens.

Quando tomaram forma humana, o Senhor dos Tempos disse que lhes concederia a imortalidade se, no período de cinco anos, descobrissem o segredo da Abundância. Esses dois irmãos, criados a partir do fogo do céu, tinham a imponência de reis e como tais foram reconhecidos. A eles terras e servos foram dados e, pelo poder que deles emanava, todos se curvavam aos seus pés.

Um dos irmãos foi seguindo o curso que os dias lhe traziam. Percebendo as necessidades do povo, doava-lhes tudo que possuía para que as terras prosperassem e para que a fome pudesse ser banida dali. O outro, por sua vez, retinha tudo o que lhe chegava às mãos. Ambiciosamente, acumulava o que a terra oferecia, sob o pretexto de assim descobrir o mistério da Abundância.

Passaram-se tempos e o reino do primeiro irmão prosperava à medida que ele doava os bens que lhe iam sendo entregues. A gratidão com que aquelas terras respondiam evidenciava-se na ampliação do cultivo e na abundância das colheitas. O povo crescia em virtude e sabedoria sob aquele sábio e humilde governo. Em sua corte não havia lugar para exageros nem para desordens e vivia-se com a mesma simplicidade dos aldeões e dos servos.

Já no reino de seu irmão, o povo faminto e sem forças nem podia trabalhar. Sua vida era desregrada, absorvida em vícios, desfrute e esbanjamento, que levava tudo à ruína e ao caos. Abandonadas e infecundas pelo mau uso, as terras nada produziam. Havia fome e desespero.

Passados os cinco anos, o Senhor dos Tempos chamou os dois irmãos e disse ao primeiro: “A ganância, o vício e a ambição são como nuvens de fumaça que destroem e abafam a vida. Somente a fome, a morte e a infertilidade deles resultam. Vós tivestes a chave da Abundância, ó Sábio, ao ler na necessidade de todos qual deveria ser vossa conduta”.

E voltando-se ao segundo, continuou: “se tendes as mãos cheias, não podeis receber o que a Abundância continuamente vos traz. Se uma nascente não deixasse fluir a fresca água que dela brota, não cumpriria o seu destino e sucumbiria pela própria estreiteza. A abundância é como um rio que corre sem parar em ponto algum e que rega todos os campos por onde passa”.

Dirigindo-se novamente ao primeiro, acrescentou: “Cumpristes o que para vós estava escrito, ó filho dos céus que observastes vossa origem. Aprendestes com a simplicidade que a vida ensina e, pelo amor que destes e colhestes, deixastes impressas naquelas terras a vossa imortalidade. A esse mundo não mais precisais retornar. Vosso destino é o Cosmos, pois plena é a existência dos que amam”.

E ao segundo advertiu: quanto a vós, na ganância esvaístes a oportunidade de unir-vos à nossa Irmandade. Se nos bens temporais pusestes a vossa Fé, na efemeridade tereis a regência do vosso viver. Retornai àquela terra e nela permanecei até que vosso duro coração desperte para o supremo bem e que vossos olhos e mãos deixem de ambicionar o efêmero, pois somente no que é eterno encontra-se a Paz, a Providência e a Verdade.

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