Serenade-Schubert-Liszt-Standchen.-Violino

A mente se acha soberana e não consegue perceber a Sabedoria por detrás das aparências. Foi habituada a agir na vida usando a lógica, a dedução e a razão. O desenvolvimento da intuição, a busca pela fonte interna “onde jorra leite e mel”, a descoberta do Propósito, tudo isso sempre pareceu algo utópico, afeto à alguns “eleitos” e sem aplicação prática.

Com o passar do tempo, vamos percebendo que os instrumentos que usamos para decidir, bem como todo o conhecimento intelectual que adquirimos, são insuficientes para resolver questões essenciais que chegam com as provas. O vazio no peito que nunca é preenchido, a falta de motivação para viver, a alegria, a generosidade e o afeto que não se expressam, tudo isso tem como causa a falta de conexão com a nossa alma. Se essa ponte com o interior não é erguida, vamos vivendo no mundo das ilusões, “economizando” Luz, atuando como uma espécie de vela guardada que nunca é acesa para que sua bela forma não se dissolva.

“Qualquer que seja a direção que você tome, a agulha da bússola sempre aponta para o norte. O mesmo deveria ser com você. O que quer que você faça e onde quer que você vá, deixe que sua mente permaneça em seu coração” (Mooji)

Agimos como se fóssemos um “eu pessoal”, desconectados do nosso “Eu Superior”, da nossa essência divina. Se essa imaginária ponte entre os “eus” não é feita, como escutar os sussuros da outra margem do Ser que nos fala no silêncio qual caminho seguir? Como navegar por mares turbulentos sem a bússola do Coração? Como decidir na vida sem saber o que a Vida quer de nós?

Assim, ficamos ao sabor dos ventos da mente, perdidos e sem rumo, navegando por mares bravios sem perceber que no profundo do oceano existe a paz que nunca vai embora e que excede todo o entendimento. Somos como aquele fruto saboroso que pode alimentar o mundo, contudo, nos sentimos desconectados das raízes que extraem do subsolo os nutrientes que sobem pelos troncos e galhos e chegam até o fruto. Não percebemos que a abundância do espírito está à mesa para saciar nossa fome espiritual.

“Para que tanto sacrifício por migalhas? Se não te absténs desse alimento, é inútil querer livrar-se de tais ardis. Se a avidez reclama, sê surdo aos seus apelos” (Rumi)

Enquanto isso, em que pese as resistências e o desalinhamento do pensar, do sentir e do agir com o nosso interior, a Luz prossegue, aguardando pacientemente pelo despertar da consciência. Será que vamos padecer como Tântalo, rei de Frígia, condenado a morrer de sede e fome junto a um vale abundante de água e frutos? O encontro com o Eu Superior não é algo “tantalizante”, pois já somos a própria divindade manifestada.

A chave está no abandono da mente a respeito da condição submissa do eu pessoal. Que possamos reconhecer a grandeza da Criação, mantendo a permanente lembrança no Eu Superior. Que Ele conduza a carruagem, de forma que a verdadeira Vida guiada pelo espírito tenha início.

“A matéria resiste. A Luz prossegue.
A matéria organiza a reação. A Luz prossegue.
A matéria perturba-se. A Luz prossegue.
A matéria volta-se contra si. A Luz prossegue.
A matéria degenera. A Luz prossegue.
A matéria vê a destruição. A Luz prossegue.

A matéria vê a Luz. A Luz prossegue.
A matéria compreende. A Luz prossegue.
A matéria rende-se. A Luz prossegue.
A matéria tem sua revitalização iniciada. A Luz prossegue.
A matéria acolhe o encontro com a Luz.

A verdadeira vida tem início.
Anjos estendem as mãos
e os puros conseguem tocá-las.

(José Trigueirinho – Versos Livres – obra póstuma)

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