Debussy – Claire de Lunes

Quando li um artigo sobre “Kintsugi”, a centenária técnica japonesa de reparar cerâmicas valiosas quebradas, veio à mente o simbolismo filosófico que o texto estava trazendo, em especial, como interpretar e agregar valor às rachaduras causadas pela provas que a vida nos impõe.

O contexto histórico e o conceito dessa técnica podem ser observados no artigo do “El Pais Semanal”, denominado “Kintsugi: a beleza das cicatrizes da vida”, de 10/dez/2017, sobre o qual destaco parte do texto:

“Há cinco séculos, surgiu no Extremo Oriente o kintsugi, uma apreciada técnica artesanal com o objetivo de reparar uma tigela de cerâmica quebrada. Seu proprietário, o xogum Ashikaga Yoshimasa, muito apegado a esse objeto indispensável para a cerimônia do chá, mandou consertá-lo na China, onde se limitaram a fixá-lo com alguns grampos toscos. Insatisfeito com o resultado, o senhor feudal recorreu aos artesãos de seu país, que propuseram finalmente uma solução atrativa e duradoura. Encaixando e unindo os fragmentos com um verniz polvilhado com ouro, eles restauraram a forma original da cerâmica, embora as cicatrizes douradas e visíveis tenham transformado sua essência estética, evocando o desgaste que o tempo provoca sobre as coisas físicas, a mutabilidade da identidade e o valor da imperfeição.

Assim, em vez de dissimular as linhas de fissura, as peças tratadas com esse método exibem as feridas de seu passado, adquirindo uma nova vida. Tornam-se únicas e, portanto, ganham beleza e intensidade. Alguns objetos tratados com o método tradicional do kintsugi – também conhecido como “carpintaria de ouro” – inclusive chegaram a ser mais apreciados que antes de quebrar. Desse modo, a técnica se transformou numa potente metáfora da importância da resistência e do amor próprio frente às adversidades”.

A leitura traz um turbilhão de sentimentos e múltiplas interpretações, como uma oportunidade de repensar e analisar os fatos da vida, olhando para nossas rugas e vendo como elas nos fizeram crescer e o quanto extraímos de positivo das provas pelas quais passamos ao longo da nossa trajetória. Por mais paradoxal que seja, acabamos por sentir falta delas e uma gratidão profunda surge do interior, pois elas, as provas, são as molas que nos impulsionam para um novo patamar de consciência.

“… e quando vejo a vida passar, percebo que tudo o que vejo é sagrado” (Rumi)

Podemos e devemos colocar ouro nas marcas que vieram das dificuldades, aplicar um Kintsugi em nós mesmos, reconstituir o sentido de Unidade que perdemos pelos condicionamentos e máscaras que colocamos para nos proteger, mas que nos iludiram e nos afastaram do Ser Divino que somos em essência. Sentir-se em unidade com tudo e com todos é a nossa meta principal, o que dá sentido à vida; é o que vai nos curar da ilusão da separatividade. Emanar o amor, a fraternidade e a compaixão para todos aqueles que se aproximarem de nós é a verdadeira expressão do novo ser que se reconstruiu, aquele que passou por duras provas, mas que, por Graça, se renovou e, então, curado da ilusão, esparge a Luz que brilha no seu interior. Trata-se de uma meta nobre; e possível

Os rompimentos trazem dores, ressentimentos, nos dão um atestado de incompetência, põem no chão nossa vaidade e nos curam do egocentrismo; confirmam, sobretudo, que é somente através da empatia e da compaixão que as bases de uma nova relação podem ser construídas. Esse relacionamento superior é possível de ser moldado e o perdão é a chave, os fios que tecerão uma nova relação. Oportuno ler a reflexão sobre o perdão aqui no site Pedra no Lago. Acesse aqui.

“Você não tem o direito de sair da presença de uma pessoa sem fazê-la melhor e mais feliz.”
(Madre Teresa de Calcutá)

Quando olharmos no espelho, veremos que as crises impõem um olhar para dentro de nós mesmos, procurando as respostas para a melhor solução, aquelas que possam trazer à tona os atributos da alma. E ai, lucidamente, com convicção, agradecer à Vida por todas as crises, pois, se encaradas com sabedoria, podem ser a chance que faltava para nos transformamos em um ser humano renovado, mais feliz e íntegro ao seus verdadeiros propósitos. Podemos, sim, ser aquela pedra no lago que inspira o bem para a humanidade.

Por outro lado, a crise que assola a humanidade nos faz refletir também sobre a necessidade de novos princípios e valores que tornem o mundo mais ético e humano. No ponto que chegamos, humanamente falando, é difícil demais pensar em reconstruir, com fios de ouro, as rachaduras da fome, da miséria, do preconceito, do abandono, da carência de afeto, da ganância e da falta de caráter. A causa-raiz de tudo isso, acho eu, é o egoísmo, o distanciamento do ser humano de Deus, da Luz encapsulada e completamente obstruída no interior de cada ser.

Lembremos que a vocação primordial da alma é servir, compartilhar, ser fraterna e útil à vida manifestada. Podemos, então, estar despertos na Luz que está no nosso interior e nos movermos por Ela. Talvez seja essa nossa melhor contribuição para a crise.

“Aquele que faz o seu melhor, faz tudo o que se pode esperar dele”
(Helena Blavatsky)

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